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21 – Fundação Palmares e o Movimento LGBT

Por Morganna la Belle

Qual a relação entre a luta do negro contra o racismo estrutural e a luta do movimento LGBT contra o preconceito e a discriminação?

Historicamente, ambos os movimentos tiveram uma mulher como estopim.

Estados Unidos

Movimento Negro

No caso do movimento negro nos Estados Unidos, na época de Martin Luther King Jr., a revolução teve início após uma mulher negra, Rosa Parks, em 1º de Dezembro de 1955, ter-se recusado a ceder seu lugar no ônibus a uma pessoa branca. Teve então início o movimento que ficou conhecido como o “boicote aos ônibus de Montgomery”. Tal boicote, que durou 381 dias, e foi feito pelos negros de Montgomery ao sistema municipal de transporte, comprometeu seriamente a obtenção dos lucros, o que acabou ocasionando a revogação de uma das leis mais racistas nos Estados Unidos. A partir daí, a população negra começou a ser vista de uma forma diferente, uma vez que a sociedade branca americana entendeu que o dinheiro de uma pessoa negra tem o mesmíssimo valor do dinheiro de uma pessoa branca.

Martin Luther King Jr.

Movimento LGBT

E com relação à fixação do Dia Internacional do Orgulho LGBT, dia 28 de Junho, o movimento se iniciou com o famoso motim ocorrido no Bar Stonewall, em Greenwich Village, quando uma mulher lésbica se insurgiu contra a truculência e agressividade policial infligidas às pessoas LGBT que estavam no local e a rebelião teve início. Isso ocorreu em 28 de Junho de 1969. Este motim é considerado a primeira reação efetiva das pessoas contra o preconceito, a discriminação e a violência desde há muito sofridos pela população LGBT. Vários outros movimentos pró LGBT nasceram a partir desse acontecimento, tais como a Parada Gay, que ocorre todos os anos em várias localidades do mundo, entre outras formas de manifestação.

Revolta de Stonewall

Brasil

Movimento Negro

O Brasil foi o último país das américas a abolir a escravidão. E ainda assim porque foi pressionado por movimentos internacionais que pregavam ideais de liberdade, igualdade e fraternidade como a Revolução Francesa. Já a Revolução Industrial, que eclodiu na Inglaterra e se espalhou pelo mundo, tinha como preceito valorizar o trabalhador livre em detrimento do escravo porque o trabalhador livre teria salário e, portanto, poder de compra. Por consequência, em países civilizados não havia mais espaço para a escravidão, simplesmente porque não era mais viável economicamente. O Brasil então teve que se curvar a essa nova realidade, mas não sem fazer da abolição um ato nobre e magnânimo, porém na verdade fantasioso e irreal, atribuindo a abolição da escravatura unicamente a uma princesa branca de descendência europeia. Mas muitas pessoas ainda acreditam que Jesus Cristo era loiro, branco e de olhos azuis, então fazer o quê, né?…

Infelizmente, o que normalmente não é contado é que teve muita luta, sofrimento e derramamento de sangue da raça negra até que se pensasse em abolição. E quando a Lei Áurea foi assinada, o que aconteceu depois foi o negro ser atirado à sociedade sem qualquer condição de sobrevivência. Normalmente era analfabeto e só estava afeito a trabalhos braçais. Muitas vezes não conseguia trabalho honesto e se via forçado a roubar para poder dar de comer a si e seus filhos, que não raro morriam de inanição.

Apenas a título de exemplo, havia no Código Penal de 1890 um capítulo intitulado “Dos vadios e capoeiras”, que colocava a prática da capoeira como delito passível de prisão. Esse capítulo persistiu na lei penal brasileira por muitos anos, dando ensejo a muitas prisões arbitrárias de pessoas pardas e pretas, simplesmente porque, na visão elitista das autoridades brancas, apenas o negro poderia ser vadio ou capoeira. Importante frisar que a capoeira hoje é praticada em todos os países do primeiro mundo e foi reconhecida pela Unesco em 2014 como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.


A Capoeira, antigamente vista pela elite branca como coisa de negro vadio

O tempo foi passando e direitos foram sendo conquistados, mas o racismo estrutural ainda segue forte no Brasil. E por que se diz que o racismo é estrutural? Porque existe uma estrutura social nefasta e fortemente arraigada que favorece a sua manutenção com o fim de garantir a classe dominante no poder e manter a desigualdade social.

E antes que alguém fale em “racismo nutella”, termo pejorativo para vitimização da raça negra, vamos aos números:

– Segundo dados do IBGE, cerca de 54% da população brasileira é composta por pessoas pretas ou pardas. Entretanto, a população negra é a que se encontra em piores condições de vida.

– Segundo a Anistia Internacional, 77% dos jovens mortos no Brasil são da raça negra.

– Ainda segundo o IBGE, apenas 10% dos cargos de chefia em empresas no Brasil são ocupados por pessoas negras.

– E nem preciso citar a fonte para afirmar que a maior parte da população carcerária no Brasil é composta de pessoas pardas ou pretas.

Isso seria vitimização da população negra?

A maioria da população carcerária no Brasil é negra

Agora, causaestranheza constatar que em um país como o Brasil, onde a maior parcela da população é preta e parda, ainda haver pessoas que andam na contramão da erradicação desse racismo estrutural existente em nossa sociedade. E causa mais estranheza ainda ver uma pessoa de cor negra e à frente de uma instituição de proteção dos direitos dos negros ter atitudes que atentam contra os pilares dessa própria instituição e contra a história de sua própria raça. É o caso do Sr. Sérgio Camargo, nomeado presidente da Fundação Palmares em Novembro de 2019.

A Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública que foi criada em 22 de Agosto de 1988 e voltada para a promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Já o Sr. Sérgio Camargo, seu atual presidente, tem formação em jornalismo e é negro, embora suas atitudes me façam presumir que não gostaria de ser desta raça. Foi nomeado para presidente da Fundação Palmares já em meio a polêmicas, mas conseguiu manter a nomeação, graças a um recurso da Advocacia Geral da União e muito em decorrência do apoio do presidente Jair Bolsonaro, político de extrema direita sem qualquer empatia pelo sofrimento das minorias. Importante frisar que as polêmicas giravam e torno de declarações do Sr. Sérgio Camargo em tom de menosprezo a toda a luta da população negra desde a escravidão, sendo que chegou a dizer que “a negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”.

Desde que assumiu a direção da Fundação Palmares passou a perseguir funcionários que assumiam ter orientação política esquerdista. Foi processado por assédio moral, perseguição ideológica e discriminação, a ponto de ter a Justiça do Trabalho de Brasília afastado o Sr. Sérgio das funções de gestão de funcionários da instituição.

O Sr. Sérgio Camargo tem um histórico e tanto em termos de desserviços prestados contra a população negra brasileira. Vejamos alguns:

– Ironizou o Dia da Consciência Negra e disse que a data tem que ser riscada do calendário (em gravação divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo).

– Xingou e minimizou a importância histórica de Zumbi dos Palmares (em gravação divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo);

– Desrespeitou as religiões afro, dizendo que “não vai ter nenhum centavo pra macumbeiro”(em gravação divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo).

– Associou o movimento negro à ideologia de esquerda, como se ser de esquerda fosse algum tipo de crime ou doença.

– Mandou excluir vários nomes da lista de personagens representantes da raça negra homenageados pela Fundação Palmares.

– Mandou retirar do acervo da fundação vários livros históricos, sob a alegação de que as obras em questão eram de orientação esquerdista. Tal desmande foi revertido pela justiça e as obras literárias tiveram que ser reintegrados ao acervo.

– Em mais um ataque às religiões tradicionais de sua própria raça, abriu concurso para criar uma nova logomarca para a fundação. O problema, segundo a visão preconceituosa dele, é que a logomarca antiga tinha como símbolo o machado do orixá Xangô.

Logomarca da Fundação Cultural Palmares

– Perseguiu, praticou assédio moral e demitiu funcionários da instituição simplesmente porque tinham orientação política diferente da dele.

– Disse se orgulhar de não ter recebido nenhum representante do Movimento da Consciência negra desde que assumiu a presidência da Fundação.

– Em suas redes sociais disse que a escravidão foi benéfica para os descendentes.

– Quer mudar o nome da Fundação Palmares para “Fundação Princesa Isabel”. Acho que o sonho dele é se casar com uma princesa europeia branca (ou talvez fantasie em ser uma, vai saber né?).

– Seu mais recente ato de desumanidade foi ter chamado de vagabundo o congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte no dia 24 de Janeiro deste ano em uma praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, simplesmente porque fora cobrar uma dívida por alguns dias trabalhados.

Todos esses fatos por mim citados estão amplamente veiculados na Internet, são de conhecimento público, sendo pois desnecessário que eu cite a fonte específica de cada um deles.

Agora, o mais triste é que ele ainda continua no poder da instituição. E como consegue continuar? Por que o Conselho Curador da Fundação Palmares não faz nada contra isso? E o mais interessante, como exatamente esse senhor foi nomeado? São perguntas que ainda não consigo responder porque nenhum dos argumentos apresentados me convence. A única coisa que estou vendo no Brasil de uns tempos para cá é retrocesso na luta das minorias contra a exclusão social. No fim, vejo-me tentada a reconhecer que foi nomeado e ainda continua no poder graças à inércia de todos nós, brasileiros.

Estátua de Zumbi dos Palmares, em Salvador, Bahia

Movimento LGBT

Contradições desta natureza também existem em nosso meio LGBT. Diplomatas brasileiros, que atuam junto à ONU através do Ministério das Relações Exteriores, têm se destacado da luta a favor da ampliação de direitos para a população LGBT e a favor da revogação de leis LGBTfóbicas, além de estarem lutando pela criminalização da homofobia e da transfobia, tudo isso a nível internacional.

Para exemplificar, em Junho de 2011, em uma declaração inédita na história, a ONU, por meio da A/HRC/17/L.9/Rev1, fez a consideração de que os Direitos LGBT são Direitos Humanos e precisam ser respeitados. Na Resolução em comento está escrito:

Solicita que a Alta Comissária de Direitos Humanos encomende um estudo a ser concluído até dezembro de 2011, para documentar leis e práticas discriminatórias e atos de violência contra as pessoas por motivo de sua orientação sexual e identidade de gênero, em todas as regiões do mundo, e para documentar como a legislação internacional de direitos humanos pode ser utilizada para pôr um fim à violência e às violações dos direitos humanos cometidos por motivo de orientação sexual e identidade de gênero;”

O Brasil foi um dos propositores originais deste ato normativo, expressando assim a concordância do próprio Estado brasileiro quanto à sua aplicação, sendo que se tornaria necessária a criação de mecanismos legais pátrios para promover a sua implementação.

ONU Pró LGBT

Mas, na contramão de toda essa luta, há em nosso país vários parlamentares que atrasam todo esse processo, impedindo a evolução de projetos de lei contra LGBTfobia, valendo-se de argumentos bíblícos retrógrados e estapafúrdios em um país considerado laico.

Ah, a tal bancada evangélica brasileira… Mantendo a tradição da humanidade em distorcer livros considerados sagrados para o único fim de se manter no poder!

A Igreja Católica fez isso por muito tempo, basta ver a venda de indulgências em 1517 feita pelo papa Leão X, assim como as cruzadas entre os séculos XI e XIII e a “santa” inquisição entre os séculos XII e XVIII. Não faz tanto tempo um padre aí, o tal Robson de Oliveira, ex-reitor da Basílica do Divino Pai Eterno em Trindade-GO, foi acusado de lesar financeiramente milhares de pessoas com argumentos religiosos e comprou para si casa no valor de R$1,1 milhão, dentre outras coisas. Em 2021, mais um atentado terrorista praticado no Afeganistão por fundamentalistas islâmicos levou os militantes do islã, em nome da sua fé, a colocarem bombas em uma escola de crianças, matando mais de 80 pessoas e ferindo outras mais de 140. E agora as empresas evangélicas no Brasil estão cada vez mais prósperas distorcendo histórias do velho testamento a seu bel prazer. A estória de Abraão levando seu filho ao monte para ser sacrificado é uma das favoritas. Já participou da “fogueira santa” do empresário Edir Macedo este mês? Olha, se você não participar, o demônio vai levar tudo o que é seu e você vai ficar muito mais pobre do que já é, hein! Amém? Amém!

Nos Estados Unidos, a Ku Klux Klan também se valia de argumentos religiosos para torturar e assassinar negros , sendo que já contou até com o apoio de um pregador, o reverendo William Joseph Simmons, que dizia ter visões espirituais. Para ser membro da KKK o nativo branco americano tinha que ser cristão protestante. A cruz de fogo representava o fogo do Espírito Santo e servia para iluminar os seus eventos com a luz divina. Na iniciação de novos membros era utilizada uma bíblia como símbolo de fé em Deus e lealdade à causa branca, causa esta apoiada por esse mesmo Deus segundo a visão deles.

Vê-se, a partir daí, o quanto argumentos religiosos são milenarmente utilizados pela classe opressora como forma de sustentar atitudes desumanas contra pessoas consideradas “diferentes”. Diferentes por serem de pele mais escura, diferentes por terem orientação sexual diversa da maioria, diferentes por terem alguma deficiência física etc. Esse processo, na Psicanálise, se chama “Racionalização”, sendo que se trata de um mecanismo psíquico de defesa que a pessoa usa para deformar a realidade porque tem dificuldade de lidar com ela. Isso desenvolve o narcisismo, uma vez que mostra ao Ego apenas aquilo que ele quer ver. Exemplo: algumas pessoas hostilizam as travestis porque no fundo têm desejo pelos corpos delas. Então “… o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os estados ‘deformados’ da consciência…” Para simplificar “… o ego coloca a razão a serviço do irracional…” (trechos em itálico tirados do livro Psicologias, editora Saraiva, 15ª edição, pág. 44, dos autores Ana Mercês Bahia Rock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira).

Reunião da Ku-Klux-klan nos Estados Unidos

Mas enquanto os políticos brasileiros lutam contra a evolução dos tempos com a finalidade de manter suas antigas mordomias, a Suécia procura combater os estereótipos de gênero, adotando em escolas o pronome neutro e orientando os professores a removerem todas as imposições binárias masculinas e femininas na linguagem e no comportamento das crianças e adolescentes. A Escócia, por sua vez é considerado o primeiro país a implantar nas escolas a educação sobre LGBT+ visando o combate à homofobia e transfobia. Já no Canadá os pais podem até perder a guarda dos filhos por abuso infantil se se opuserem e procurarem reprimir a orientação sexual deles.

Penso que um dia o Brasil chega lá…

Conclusão

Felizmente o Brasil não pode ser chamado de “república das bananas”, temo pejorativo cunhado por O. Henry, escritor americano do século XIX. Isso porque, embora estejamos passando por uma crise política, nossas instituições ainda estão atuando, mesmo que “meia boca”, e não dependemos da exportação dessa fruta para termos nossa economia funcionando. Então que não sejamos também uma república de bananas, no sentido de sermos acomodados e covardes a ponto de deixar políticos e autoridades elitistas, conservadoras e opressoras nos privar dos nossos direitos mais básicos.

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Vou adorar conhecer você!!!

Publicado por rainhamorgannalabelle

Eu me chamo Morganna la Belle e sou psicoterapeuta. Sou da área de Direito e Psicologia. Sou uma pessoa andrógina, por isso interajo facilmente tanto com mulheres quanto com homens. Conheço muito bem a hipocrisia e a discriminação da sociedade machista sobre as mulheres e as pessoas transgênero. Vivo para combater qualquer tipo de exclusão, seja ela em razão de cor, sexo ou orientação sexual. Meu objetivo é construir amizades, principalmente com pessoas trans, para a troca de relatos e experiências. Quero auxiliar, de alguma forma, qualquer pessoa que esteja sofrendo em razão de sua sexualidade não ser aceita no meio em que vive. Para isso prego a Psicoterapia do Amor. Ame-se em primeiro lugar e o amor fluirá de você e para você.

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